RECONHECIMENTO E MEDIDA DA COMPACTAÇÃO DO SOLO

 

por Otávio Antonio de Camargo 
e Luis Reynaldo F. Alleoni

 

          No campo, os sintomas da compactação podem ser observados tanto na planta quanto no próprio solo. Entretanto, deve haver cuidado para não confundir os danos causados pela compactação com sintomas similares causados por seca, deficiências nutricionais, toxicidade por alumínio ou manganês, nematóides etc.

 

          Os sintomas visuais mais freqüentes notados em plantas cultivadas em solos compactados são: 1) emergência lenta da plântula; 2) plantas com tamanhos variados, tendo mais plantas pequenas que normais; 3) plantas de coloração deficiente; 4) sistema radicular raso e 5) raízes malformadas com maior incidência de pêlos absorventes.

 

         Quanto aos sintomas no solo, podem ser citados os seguintes: 1) formação de crosta superficial; 2) fendas nas marcas das rodas do trator; 3) zonas compactadas de subsuperfície; 4) empoçamento de água; 5) erosão excessiva pela água; 6) aumento da necessidade de potência de máquinas para cultivos e 7) presença de restos de resíduos não decompostos meses após a incorporação.

          A observação desses sintomas traduzem uma maneira prática, rápida e fácil de estimar a compactação. Se medidas quantitativas forem necessárias, a compactação pode ser avaliada a partir de diversos atributos do solo, tais como: porosidade, densidade, infiltração de água, resistência ao penetrômetro e outros parâmetros correlatos.

          Amostras superficiais e subsuperficiais de um latossolo roxo e de um podzólico vermelho-amarelo foram estudadas com objetivo de verificar qual propriedade ou parâmetro físico poderia ser considerado padrão, a fim de permitir a comparação entre diferentes tipos de solos submetidos à compactação em dois níveis de resistência do solo (0,06 e 0,12 MPa) (Primavesi et al., 1984). Foram consideradas a densidade do solo, a porosidade de aeração ou porosidade livre de água, a resistência à penetração e a condutividade hidráulica saturada (Figura abaixo). Quanto melhor a justaposição de dados das quatro amostras e menor a dispersão dos pontos das curvas nos três níveis de compactação, melhor seria o atributo, em termos de correlação com a compactação. A porcentagem de poros de aeração foi o indicador mais adequado, talvez por ser menos afetada por fatores externos, como a água, ou mesmo por fatores inerentes às partículas sólidas, como sua densidade.

Comparação da tendência de correlação, agrupamento e justaposição de pontos dos atributos físicos de quatro solos, em função da produção de matéria seca do feijoeiro - EPE = espaço poroso efetivo em %; ds = densidade do solo, em kg.dm-3, RP = resistência à penetração, em MPa; Ko = condutividade hidráulica saturada, em cm.h-1; LR = latossolo roxo; PV = podzólico vermelho-amarelo (adaptada de Primavesi et al., 1984)

 

          Neste item serão descritas a densidade do solo e porosidade, a infiltração de água, a resistência à penetração e a análise de trincheiras, por serem as mais utilizadas para reconhecimento e medida da compactação.

 

Densidade do solo e porosidade

          Pode-se dizer, com certa restrição, que a densidade é a medida quantitativa mais direta da compactação. Dentre os vários métodos usados para sua determinação, destaca-se o do anel volumétrico, possuindo bordas cortantes e volume conhecido (geralmente 50 cm3, segundo Kiehl, 1979). O anel é introduzido no perfil ou no próprio solo, por pancadas ou por pressão, sendo retirado, posteriormente, com excesso de terra. Este excesso é depois removido, a fim de que o volume ocupado pelo solo seja exatamente o volume do anel. Em seguida, transfere-se a terra para um recipiente, no próprio campo, deixando o anel disponível para realização de outras coletas. Após secagem, em estufa da terra coletada, obtém-se a massa de terra seca e, com o volume conhecido, obtém-se a densidade do solo, através da equação (3), apresentada no capítulo 2.

          Em outro método, o anel é colocado no interior de um cilindro volumétrico, que se encontra preso a uma haste (Black, 1965). Pelo curso da haste, corre um bloco de ferro para martelar o cilindro e introduzi-lo no solo, juntamente com o anel. De maneira análoga ao método do anel volumétrico, retira-se o conteúdo de terra do anel, coloca-se para secar em estufa e se obtém a massa de terra seca.

 

          Outros métodos permitem a obtenção de melhores resultados, mas exigem o uso de aparelhos mais sofisticados. Vaz et al. (1992), por exemplo, usaram a técnica da tomografia computadorizada de raios gama na avaliação do estado de compactação de um latossolo vermelho-escuro, pela identificação e quantificação de finas camadas de solo e caracterização dos perfis de densidade, com amostras coletadas em trincheiras. Os autores constataram que a tomografia computadorizada pode ser utilizada com sucesso, pois foi sensível, precisa, não destrutiva e possibilitou a medida da densidade e da umidade do solo em amostras indeformadas. Além disso, mostrou-se superior ao penetrômetro de impacto, tanto na resolução, quanto no tipo de informações geradas.

          Devido à forma, ao tamanho e ao arranjamento diferenciado das partículas de areia e argila, os valores médios de densidade de solos arenosos (1,2 a 1,4 kg.dm-3) são maiores do que os de solos argilosos (1,0 a 1,2 kg.dm-3). Por isso, deve-se tomar muito cuidado ao considerar o valor absoluto como referência para concluir se um solo está ou não compactado. Bowen (1981) considera críticos os valores 1,55 para solos franco-argilosos a argilosos e 1,85 kg.dm-3 para solos arenosos a franco-arenosos, afirmando que, a partir daí, ocorre restrição ao desenvolvimento de raízes quando os solos estiverem na "capacidade de campo".

 

         Constatou-se, num alfissolo da Austrália, que a compactação aumentou a densidade do solo de 1,2 para 1,5 kg.dm-3 e diminuiu o comprimento das raízes de azevém na camada compactada, mas aumentou seu comprimento na camada imediatamente acima (não compactada). Quando as quantidades de fósforo e de água foram mantidas em níveis adequados, as plantas foram capazes de compensar o decréscimo no enraizamento, devido à compactação, através da maior produção de raízes na camada superficial (Shierlaw & Alston, 1984). Em experimento com trigo, foi encontrado que 85% do total crescia nos primeiros 10 cm de um solo não compactado e, sob condições ótimas de umidade e fertilidade, não houve queda na produção de grãos devido à compactação subsuperficial (Tomar et al., 1981).

 

          Em experimento num molissolo argiloso, testaram-se dois níveis de compactação e duas maneiras de distribuição no perfil: uma com compactação uniformemente distribuída, e outra localizada numa profundidade pré-determinada (Wilhelm & Mielke, 1988). O tratamentos nos quais a compactação foi uniforme a 1,8 kg.dm-3 (nível mais alto) e esteve localizada na profundidade de 18 a 20 cm, as plantas de trigo foram mais baixas, com menor área foliar e menor matéria seca (Tabela abaixo). Os prejuízos foram maiores quando a camada compactada esteve mais próxima da superfície, chegando a ser mais deletéria de que se estivesse uniformemente distribuída no perfil. Isto deve ter sido ocasionado pela pouca oportunidade que a planta teve de expandir suas raízes na camada superficial compactada, impedindo assim que houvesse boa exploração volumétrica no solo, acarretando prejuízos na absorção de água e nutrientes.

 

Atributos de crescimento do trigo de inverno, cultivado num molissolo com diferentes níveis de compactação (adaptada de Wilhelm & Mielke, 1998)
Tratamento Altura da planta Área foliar Matéria seca
  cm mm2/planta mg/planta
T1* 32,3a 2635a 167a
T2 28,7b 2137b 123b
T3 27,3c 1873b 125b
T4 32,8a 2505a 163a
* T1 = solo não compactado (ds = 1,3 kg.dm-3)
   T2 = solo uniformemente compactado (ds = 1,8 kg.dm-3)
   T3 = solo compactado a 1,8 kg.dm-3 somente na camada de 10-12 cm de profundidade e
   T4 = solo compactado a 1,8 kg.dm-3  somente na camada de 18-20 cm de profundidade
** Médias seguidas de mesma letra, na vertical, não diferem entre si, ao nível de 5%, pelo teste F.

 

          Um importante atributo que deve ser levado em conta ao avaliar o efeito da compactação no aumento da densidade é o teor de matéria orgânica do solo. O seu alto teor pode promover, por exemplo, aumento no limite de plasticidade dos solos, dificultando o aumento de sua densidade, mesmo após o trânsito de máquinas e implementos pesados. Tal constatação foi feita "in loco" por Fernandez-Medina (1985), num latossolo amarelo argiloso da Amazônia, após a derrubada e o enleiramento mecanizado da mata (Tabela abaixo).

 

Resistência de um latossolo amarelo de textura muito argilosa à penetração para os métodos de preparo de área mecanizado e manual de mata virgem, antes e depois do enleiramento (Fernadez-Medina, 1985)
Tratamento

Profundidade (cm)

5 10 15 20 25 30

MPa

 

Antes do enleiramento

Mecanizado 5,38a* 7,52a 9,36a 10,54a 10,42a 10,30a
Manual 4,44b 6,94a 8,44b 9,56b 10,84a 10,72a
Mata virgem 4,14b 5,42b 6,86c 8,40c 8,94b 8,28b
 

Depois do enleramento

Mecanizado 14,48a 14,82a 12,20a 13,86a 13,26a 13,32a
Manual 6,94b 8,78b 8,68b 10,50b 10,04 10,32b
Mata virgem 4,14c 5,42c 6,86b 8,40c 8,94b 8,28c
* Médias seguidas da mesma letra, nas colunas, antes e depois do enleiramento, não diferem estatisticamente entre si pelo teste de Tukey, a 5%.

 

          A compactação adquire sua intensidade máxima somente na consistência plástica, ou seja, quando o solo tem um conteúdo de água igual ao da "capacidade de campo", podendo ser moldado ou deformado contínua e permanentemente, pela aplicação de pressão relativamente moderada. Em valores mais altos de umidade, o solo adquire consistência aderente ou pegajosa, caracterizando um conteúdo de água acima do valor ótimo para compactação. Neste ponto, o volume do solo se eleva devido à água, diminuindo sua densidade.

 

Infiltração de água

 

          Um dos problemas associados à compactação do solo é a redução da condutividade hidráulica. A taxa de infiltração de água no solo, que serve como indicação de sua condutividade hidráulica, é influenciada por outros fatores do solo, tais como a formação de crostas na superfície que provocam sensível diminuição na quantidade de água que penetra no perfil. A condutividade hidráulica serve, então, como medida comparativa para avaliação da compactação, usando o mesmo solo e a mesma quantidade de água.

          Quando o solo encontra-se seco, a pressão de contato de máquinas ou de implementos afeta muito pouco a taxa de infiltração. Entretanto, à medida que o conteúdo de água vai aumentando, a infiltração vai diminuindo até um valor mínimo, a partir do qual passa novamente a subir, devido ao efeito da água no volume do solo, de maneira semelhante ao exposto para a curva de compactação do solo. Reveste-se de importância o fato de que o decréscimo na infiltração é mais acentuado quanto maior for a pressão aplicada. Como pode ser observado na figura abaixo, no ponto ótimo de umidade para compactação de um solo franco-arenoso (em torno de 0,18 cm3.cm-3), um aumento de duas vezes na pressão de contato (de 0,173 para 0,346 MPa) provocou uma queda de quase dez vezes na taxa de infiltração da água.

 

Efeito da compactação, sob diferentes pressões de contato e conteúdos de água na taxa de infiltração de um solo franco-arenoso (adaptada de Akram & Kemper, 1979)

 

 

Resistência à penetração

 

          A resistência do solo à inserção de um penetrômetro é, assim como a infiltração da água, um método secundário na avaliação da compactação. O uso do penetrômetro é uma maneira rápida e fácil de medir a resistência à penetração a várias profundidades, e o aparelho é muito utilizado para relacionar fatores de resistência do solo à elongação radicular (Black, 1965; Whiteley et al., 1981).

          O princípio do penetrômetro é baseado na resistência do solo à penetração de uma haste, após recebimento de um impacto provocado pelo deslocamento vertical de um bloco de ferro colocado na parte superior da haste, por uma distância conhecida, normalmente 40 cm. São utilizadas duas pessoas na execução, sendo uma delas para operar o penetrômetro, soltando a peça de ferro de cima para baixo, promovendo o impacto, e a outra para fazer a leitura, anotando o intervalo de penetração da haste, graduada em centímetros. Obviamente, quando o aparelho atinge zonas compactadas, maior é o número de impactos para que a haste desça um comprimento conhecido. Isto acontece em resposta imediata à maior resistência do solo à penetração. Após a tabulação dos dados, constrói-se um gráfico, relacionando o número de impactos.dm-1 com a profundidade analisada. A figura abaixo dá uma idéia do perfil amostrado e a representação gráfica dos dados do aparelho (Stolf, 1987). Maiores detalhes sobre o penetrômetro de impacto podem ser obtidos em Stolf et al. (1983).

Representação gráfica dos dados do penetrômetro de impacto e correspondente perfil amostrado (Stolf, 1987)

          Uma série de cuidados devem ser tomados para evitar medidas que possam não ter validade, ou correlação com penetração radicular. Como estes aparelhos já vêm sendo usados com certa freqüência em algumas regiões do país, listam-se aqui alguns itens de alerta que, se observados, poderá evitar problemas:

a) a resistência ao penetrômetro é influenciada pela textura do solo;

b)   a   utilidade   do   penetrômetro   na   medida da compactação do solo é limitada a medidas feitas para o mesmo solo à mesma umidade, tanto que é recomendada a apresentação dos dados de umidade do solo, juntamente com quadros e/ou tabelas de dados referentes à resistência do solo à penetração. Quanto mais seco estiver o solo, maior sua resistência à penetração. Portanto, maior será o número de impactos necessários para que a haste aprofunde na camada compactada. Pires et al. (1991) fizeram três leituras num intervalo de 32 dias, em um podzólico vermelho-amarelo cultivado com feijão, e observaram que o número de impactos necessários para penetração dobrou da primeira para a terceira leitura, devido ao menor conteúdo de água no solo (Próxima figura);

c) a maioria dos penetrômetros tem diâmetro maior que as porções das raízes que estão se alongando;

d) a resistência real exercida pelo solo à penetração radicular é, geralmente, menor que a resistência medida pelo penetrômetro, já que as raízes procuram os espaços de maior fraqueza durante seu crescimento (Pearson, 1966). Há evidências de que o penetrômetro superestima o valor da resistência de duas a oito vezes, dependendo do tipo de solo (Shierlaw & Alston, 1984; Veen & Boone, 1990). Esta afirmativa deve ser interpretada com certo cuidado, pois é o mesmo que relacionar a resistência de uma tela à ruptura com a resistência à penetração no vazio da malha da tela (Stolf, comunicação pessoal);

e) a ponta das raízes tem normalmente camadas de mucilagem que reduzem o coeficiente de fricção na superfície de contato com o solo comparado ao penetrômetro;

f) a raiz se deforma facilmente, enquanto a ponta do penetrômetro é rígida;

g) deve-se tomar muito cuidado ao usar o penetrômetro em solos pedregosos, pois apenas um fragmento de rocha pode invalidar a leitura;

h) penetrômetros diferentes, em solos iguais, dão medidas diferentes da resistência do solo.

 

Impactos por decímetro obtidos em função da profundidade para a cultura do feijoeiro cultivado num podzólico vermelho-amarelo latossólico, textura areanosa/média, em diferentes dias após a semeadura, no inverno de 1989 (adaptada de Pires et al., 1991)

           Apesar de a resistência à penetração ser afetada pela textura, densidade do solo e conteúdo de água, Canarache  (1990) sugere que valores acima de 2,5 MPa começam a restringir o pleno crescimento das raízes das plantas (Tabela abaixo). Outros pesquisadores, como Sene et al. (1985), consideram críticos os valores que variam de 6,0 a 7,0 MPa para solos arenosos e em torno de 2,5 MPa para solos argilosos.

 

Limites de classes de resistência de solos à penetração e graus de limitação ao crescimento das raízes (adaptada de Canarache, 1990)
Classes Limites Limitações ao crescimento das raízes
  MPa  
Muito baixa < 1,1 Sem limitação
Baixa 1,1 a 2,5 Pouca limitação
média 2,6 a 5,0 Algumas limitações
Alta 5,1 a 10,0 Sérias limitações
Muito alta 10,1 a 15,0 Raízes praticamente não crescem
Extremamente alta > 15,0 Raízes não cescem

 

          Através do uso de penetrômetro, é possível obter-se a profundidade da camada compactada e, a partir daí, optar pelo implemento mais adequado de descompactação.

          A resistência à penetração de um solo sob mata natural tende a ser pequena, se comparada àquela do mesmo solo, após cultivo intensivo. Sempre que possível, deve-se obter o valor sob mata, a fim de comparar, depois, à resistência à penetração após anos de uso agrícola. Analogamente, é interessante também utilizar o penetrômetro após a operação de descompactação, de modo a quantificar os efeitos do implemento na diminuição da resistência oferecida pelo solo. Camadas compactadas localizadas acima de 0,20 m podem ser quebradas com grades pesadas ou arados, enquanto camadas localizadas abaixo desse valor são rompidas com subsoladores. O uso do penetrômetro num latossolo vermelho-escuro álico, com emprego constante de grade pesada durante vários anos para preparo do solo permitiu constatar a presença de uma camada endurecida entre 10 e 15 cm (Figura abaixo) e os efeitos da subsolagem, tanto no sistema de semeadura direta, quanto no sistema convencional (Centurion & Demattê, 1992).

 

Valores de resistência à penetração de um latossolo vermelho-escuro argiloso, obtidos em diferentes profundidades no solo natural (SN), sistema convencional (SC = aração + gradagens pesada e niveladora) e semeadura direta (SD = roçada e aplicação de herbicida), com e sem subsolagem (Centurion & Demattê, 1992)

 

            O penetrômetro serve também para avaliar os efeitos de métodos diferentes de desmatamento ou preparo de área (manual e mecanizado) na compactação dos solos. Em latossolo amarelo bem drenado, de textura argilosa (> 700 g.kg-1 de argila no horizonte B) do Amazonas, Fernandez-Medina (1985) observou que a resistência à penetração foi um parâmetro altamente sensível às pressões aplicadas ao solo durante o processo de preparo (Penúltima tabela). Antes do enleiramento, ambos os métodos de preparo da área provocaram aumento na resistência do solo à penetração em todas as profundidades, sendo que a 5, 15 e 20 cm o solo no preparo mecanizado apresentou resistência superior à do solo desmatado manualmente.

             Depois do enleiramento, as diferenças entre os tratamentos foram ainda maiores, mas não foram registradas variações estatísticas entre profundidades. Os altos valores de resistência à penetração no sistema mecanizado (após enleiramento) originaram-se da intensa mobilização e deslocamento da maquinaria, numa pequena largura (15 cm), durante a operação, causando compactação por compressão, devido ao peso do equipamento e por deslizamento das partículas de solo, principalmente considerando a alta incidência de chuvas quando do enleiramento. Outro aparelho que pode ser utilizado é o penetrógrafo, que difere do penetrômetro por fornecer diretamente o gráfico do índice de cone (medida da resistência à penetração) sem a necessidade de tabulação de dados em escritório (Figura abaixo). Entretanto, quando o aparelho é operado manualmente, há dificuldades operacionais para manter constante a velocidade de penetração da haste. Porém, acoplando-se o aparelho ao hidráulico de um trator, por exemplo, ou usando-se algum outro mecanismo que permita eliminar esta falha humana no manuseio, o penetrógrafo tem-se prestado a inúmeros ensaios de resistência de solos à penetração.

 

 Esquema de um penetrógrafo de mola

 

          Em ensaios de longo prazo foram avaliados diferentes sistemas de preparo num latossolo roxo argiloso. Os equipamentos que conferiram menor grau de mobilização, como escarificador (sete hastes flexíveis a 30 cm de profundidade) e plantio direto (herbicida + roçada) condicionaram o solo a apresentar camadas compactadas com índice de cone abaixo de 2,0 MPa, valor considerado crítico pelos autores para o crescimento de plantas (Daniel et al., 1994). No sistema em que foi utilizada a grade aradora (duas gradagens pesadas a 20 cm de profundidade), a camada compactada esteve presente a 20 cm, aproximadamente, constituindo assim o "pé-de-grade". Além de o índice de cone ultrapassar o limite crítico, notou-se a mudança abrupta de resistência à penetração, indesejável para o bom desenvolvimento das culturas (Figura abaixo).

 

Perfil penetrográfico (mostrando a resistência do solo ao penetrógrafo) de um latossolo roxo argiloso, após diferentes sistemas de manejo (adaptada de Daniel et al., 1994)

 

Exame de trincheiras

 

          O exame de trincheiras pode ser utilizado para diagnosticar o perfil de um solo após o cultivo com determinadas culturas, principalmente as perenes e semi-perenes, como citros, café e cana-de-açúcar.

 

          A fim de avaliar a nocividade de determinado estado de compactação para o desenvolvimento da cana-de-açúcar, numa determinada classe de solo, Barbieri et al. (1984) propuseram o "Sistema Integrado de Diagnose da Compactação", que leva em conta a extensão do ciclo cultural anterior (número de cortes); o número de colheitas mecanizadas e manuais; a aplicação, no plantio, de resíduos da fabricação de álcool e açúcar, considerando-se, no caso da vinhaça, o sistema de aplicação (caminhão e outros meios). Após classificação do sistema de produção, de acordo com os itens citados, são abertas trincheiras (para cada sistema, no máximo cinco por mil hectares a serem reformados) que devem cortar duas entrelinhas completas de cana, tendo 1 m de largura e 1 m de profundidade. Nessa trincheira é delimitada a área com presença de camada compactada e são coletadas amostras indeformadas de terra para determinação da densidade do solo. Outras amostras são também coletadas na camada abaixo da compactada não mobilizada por operações agrícolas.

 

          O valor médio dessas últimas amostras é considerado referencial, a ser comparado à densidade média do solo na camada compactada, servindo, assim, para quantificar o aumento no valor desse atributo, de acordo com o sistema de manejo adotado, e seus efeitos na produtividade da cana-de-açúcar.

 

          A figura abaixo mostra um perfil de camada compactada de um latossolo vermelho-escuro de textura média, na qual foi realizada uma gradagem pesada após quatro cortes da cana. A camada compactada estava localizada ao longo dos primeiros 0,40 m, estendendo-se por uma longa faixa. O cresci­mento das raízes foi prejudicado nas entrelinhas, ficando restrito à região logo abaixo do colmo principal.

 

Perfil esquemático de camada compactada de um latossolo vermelho-escuro textura média, após 4 cortes manuais e gradagem pesada para destruição da soqueira - ds = densidade do solo, em kg.dm-3 (Barbieri et al., 1984)

 

          Para a cultura do citrus deve ser feita uma trincheira com 1,0 m de profundidade que permita a entrada de uma pessoa, localizada entre duas plantas, estendendo-se até o meio da entrelinha (Mazza et al., 1994).

 

          Além de avaliar atributos do solo, o exame de trincheiras permite a inspeção e a mensuração da quantidade de raízes presentes. Dessa forma, pode-se relacionar e explicar, com maior clareza, os efeitos da compactação na produção das culturas (Barraclough & Weir, 1988). As raízes podem ser quantificadas por meio de um quadro reticulado afixado ao perfil, através da contagem do número de retículos com presença do sistema radicular. Pode-se também empregar uma câmara fotográfica, para se obter fotos do perfil, e depois determinar a presença ou ausência de raízes com uma máscara reticulada (Crestana et al., 1994). Em algumas situações, a aplicação de esmalte sintético, na forma de spray, permite uma melhora significativa no contraste raiz-solo, pois após a secagem, o perfil é lavado com água, promovendo a lavagem da camada de solo aderida ao esmalte.

 

          Um exame de trincheiras para avaliar o efeito da subsolagem na distribuição de raízes de tabaco (Figura abaixo) foi feito por Vepraskas & Míner (1986). No solo não subsolado houve a ocorrência de uma pequena região com elevada concentração (40 a 50 raízes.10 cm-2) nos primeiros 5-10 cm. Após a subsolagem, houve melhor distribuição das raízes e aumento em sua quantidade nas camadas mais profundas do perfil em relação ao solo não compactado.

 

Distribuição das raízes de tabaco, em solo subsolado e não subsolado, 69 dias depois de transplantado (Vepraskas & Miner, 1986)

 

          Outra forma de representar a compactação numa trincheira é através das isolinhas de densidade do solo. Após diversas amostragens, pode-se delinear linhas de mesma densidade, que permitem boa visualização da compactação no perfil de solo. Em culturas plantadas em camalhões, como a batata, por exemplo, a passagem dos rodados nos sulcos pode causar compactação sob o sulco e ao seu lado. como mostrado na figura abaixo (Soane et al., 1982). Pode-se notar que os valores de densidade chegam a ser 40% maiores na região imediatamente abaixo do sulco por onde o trator transitou, em relação à superfície do camalhão, onde a densidade do solo foi inferior a 1,2 kg.dm-3.

 

Distribuição da densidade (kg.dm-3) da seção vertical de um solo franco-arenoso, após a passagem do trator, num cultivo de batata em camalhões (adaptada de Soane et Al., 1982)

 

           A avaliação de trincheiras permite o estudo mais detalhado da evolução estrutural dos solos. Regiões do perfil com estruturas maciças dificultam a distribuição do sistema radicular, promovendo queda no crescimento das culturas (Ralish et al., 1991). Quando o perfil apresenta maior proporção de estruturas fragmentadas, há um favorecimento no desenvolvimento das raízes, principalmente nas camadas su­perficiais do solo. Entretanto, todo o levantamento é feito no campo e processado manualmente, o que torna a avaliação trabalhosa e demorada, dificultando uma quantificação estatística (Crestana et al., 1994).

 

          Existem técnicas mais refinadas, que apresentam maior precisão. Uma delas é a análise de imagens do perfil (Koppi et al., 1992). Neste método, amostras indeformadas de terra são cuidadosamente coletadas e, após limpas, têm seus macroporos preenchidos com uma mistura de resina epóxi, diluente, endurecedor e tinta fluorescente. Através de imagens fotográficas impressas em papel de alto contraste, é possível a obtenção de informações bastante detalhadas, tais como: a área de interface entre poros e sólidos e comprimento dos poros na direção horizontal.

 

          Outra alternativa é o sistema digitalizador de imagens (Crestana et al., 1994). Através deste sistema, imagens obtidas com uso de uma máquina fotográfica ou filmadora são digitalizadas normalmente por um "scanner", uma câmara fotográfica digital ou uma placa digitalizadora ligada a um computador. Na apresentação dos resultados, representa-se o sistema reticulado com a distribuição das raízes e a densidade por linha deste reticulado. Rocha Filho et al. (1996) empregaram este método para avaliar a distribuição radicular de gramíneas forrageiras submetidas a diferentes formas de manejo, utilizando um painel quadriculado com 5x5 quadrículas de 0,20 x 0,20 m, nas quais foram tomadas imagens uma a uma por 30 segundos a uma distância de aproximadamente 1,0 m.

 

          Um fator muito importante que pode interferir na interpretação da análise do desenvolvimento radicular em trincheiras é a época de amostragem. Em períodos secos, com a morte de muitas raízes e produção de canais de infiltração de água podem prejudicar a detecção da imagem. Sugere-se que, sempre que possível, as medições sejam realizadas no período das águas, a fim de se procurar eliminar essa dúvida (Rocha Filho et al., 1996)

 

LITERATURA CITADA

 

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Otávio Antonio de Camargo, formado em engenharia agronômica (1967) e mestre em Agricultura (1972) pela Esalq-USP e PhD pela Universidade da California (1978).
É pesquisador do IAC desde 1969 (atualmente nível VI), professor colaborador da Esalq-USP desde 1990 e bolsista de produtividade do CNPq desde 1970. Já foi do Comitê externo de avaliação de diversos Centros e de programas da Embrapa e do CNPq. Tem diversos livros, capítulos de livros e boletins editados e é autor de aproximadamente uma centena de artigos científicos em revistas nacionais e internacionais. É editor associado da Revista Brasileira de Ciência do Solo desde 1979, revisor de diversas revistas nacionais e internacionais e assessor científico da FAPESP e do CNPq, entre outras agências financeiras, desde 1980.
Contato:Otávio Camargo


Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni, formado em engenharia agronômica, (1985), mestre (1992) e doutor (1996) em Agronomia, Área de Concentração: Solos e Nutrição de Plantas, e Livre-Docente em Química do Solo (2000), todos pela ESALQ/USP, além de Pós-Doutorado na Universidade da Florida (2005-2006). Trabalhou como pesquisador científico no Centro de Tecnologia da  Copersucar e no Instituto Agronômico de Campinas, e como docente na Fundação Faculdade de Agronomia Luiz Meneghel (Bandeirantes- PR) e na Universidade de Marília. É professor da Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da ESALQ/USP desde 1997 e bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq desde 1998. É Editor-Chefe da revista Scientia Agricola e é autor de aproximadamente 50 artigos  científicos em revistas nacionais e internacionais. É assessor científico da FAPESP e do CNPq, entre outras agências financeiras, desde 1999.

 

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CAMARGO de, O. A.; Alleoni, L.R.F. Reconhecimento e medida da compactação do solo. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_2/C6/Index.htm>. Acesso em:


Publicado no InfoBibos em 29/08/2006